I.
Eu encarava a chave
Chave perdida
Estaria mesmo?
Estava eu perdido.
Encaro a chave como quem quer enxergar caminho
Quantas portas haveria destrancado?
Quantos passos?
Estava eu perdido com a chave perdida
Em um lugar perdido
Como o sono de ontem e hoje
“Chave que guardava o poder da minha estrela
E revelava seus verdadeiros poderes…”
Lembro da infância e me pergunto
Se essa chave poderia abrir portas passadas
E por quantas mãos haveria passado
Quantos achados
Chateados…
Encarava a chave no lugar certo
Em que devia estar mesmo
Encaro eu e encaro as árvores
O céu
Que céu…
Seria chave dos teus portões caída ali?
Sinal…
“Das trombetas dos anjos e dos guardiões”
Chave
Em dia de chuva
Chama
Sussurra um segredo
Tranca
Vou e deixo
A chave como chegou
Achava.
II.
O modo como todos se divertiam
Com risos vazios
Com taças na mão
E o álcool pelas veias
Ou seria eu?
Cabelos longos
Música alta
Sorrisos de filme
E os holofotes olhares
Se apagavam entre
Um pique e um beijo
Libidos afloradas
Amizades sinceras
E falsas almas
Entre os foles
Os foles
Fumaça líquida
Desejos de carne
Sanguinários como o amor
Como o cosmos
Cósmicos
Facas, limões
Celulares, garrafas
Farrapo de Deus
Guerra que se inicia em geração tal
Plutão, escorpião
Volumes altos
Baixa luz
Baixo teor de si
Que se apaga e se desfaz
Num esquecimento
Que só se desmancha
Entre um lapso de luz
E uma escuridão planejada
Alguém canta
Outro dança
Dois brilham
Enquanto a existência perpassa
Por copos sóbrios
E bocas não ditas
Alto
Subo
Assumo goles
E abraços
No átimo de um som
III.
Nesse teatro da vida
Eu que nunca soube atuar
Estive sempre deslocado na cena…
Sem fala… Sem expressão… Sem papel
Eu nunca soube atuar
Minhas falas? Eu nunca disse
Deixei pro outro ali dizer.
Eu nunca soube atuar
Dizer que gostava de mim
Dizer que me importava com as consequências…
Foi tanto papel que se queimou
Era tanta luz, tanto holofote, tanto calor
Que queimou… O papel de eu… Queimou
Estive sempre deslocado em cena
Ah! Que horrível
Essas palavras bonitas no papel ou na tela
Pergunte alguém se algum dia abri a boca pra falar algo parecido.
Se fui capaz de emocionar.
Papéis horríveis!
Atuações horríveis…
Ah! E sobre as atuações…
Foram dezenas de rolos de película jogados fora…
Rolos fechados cheios de nomes e poucos significados
FM, MAF, LM, SL, EH, FS, DO, NACA, JSA…
Papéis familiares, papéis de amor,
Aquele papel horrível de namorado
Monólogos que nada emocionavam
“Eu te amo!”, “Volta pra mim!”, “Fica comigo!”
“Te trouxe um presente!”, “A sua frieza me machuca”
“Quero voltar ao mar com você!”, “Feliz ano novo!”
E pra chorar então? Drama deixou de ser comigo.
Eu não sei atuar. Não sei encenar a vida
Vejo que cada detalhe foi mal feito
Foi falso
E não tinha ninguém pra assistir
Não havia ninguém em mim pra dar vida à personagem
E além de atuar, vejo nesse poema que também não sirvo pra fazer o roteiro…
Sem expressão
Como a música que toquei
Como os beijos na cachoeira
Como uma viagem de 14 horas
Como aquele 1 ano de namoro
Como aquela praia
Como aquele chanson naquela Piracicaba
Como a música que ainda tento fazer…
Como a traição
Como o rebento
Olho e vejo que não tinha nada comandando aquela personagem
O Eu
O Eu seria melhor se fosse máquina
Se fosse uma metade amputada
Eu sempre fui uma farsa
Uma personagem da minha própria vida
Eu nunca soube atuar
IV.
Primeiro pingo
Olhares pra cima
Desconfiança
O céu nunca foi
De tudo, o mais fiel
Olha-se as novas gotas
Guardam as mágoas
Guardam as chuvas…
Água que cai sem nenhuma bênção
Mágoas que derrubam
Dominó do ego
Pessoas descabeladas
Correndo de um lado pro outro
Sapatos molhados
Lentes pingando
Cachecol por um fio de desenrolar
Tristezas escondidas do céu
Debaixo de outra coisa
Que possa proteger
Sob a marquise
O vapor saindo da boca
Junto ao coração
E ao fervor do olhar
Aromas quentes
De chá e fé
De incenso e pele
Ventos que cortam o ínfimo
E sopram verdades por assovio
E arrepiam cada centímetro
Do amor e da consciência
Das pálpebras caídas
Ao riso desmedido
De um passado e um futuro
Que explodiram ali
No instante nostrágico
Se tudo mudasse
Da água pro vinho
Você tomaria outra dose?
V.
No subúrbio nasce a dor
Nasce a flor
Nasce o caos…
Nasce menino, moleque, pivete
Nasce mano, nasce mina
Gente que se agarra
E gente que não tá nem aí pra vida
E se ausentam de morte matada
Ou de morte mordida:
Só assim quebra a corrente
E, por dores, mano e mina sem nome
Indigente
No subúrbio nasce a dor
Morte pra fechar a ferida
VI.
Ela não nos ouve
Não diz nada
Cai
Sem culpa de nada
Desce a rua
Desce o tórax
Desce o espaço
O lábio
Junto com a lágrima, desce
O rosto, o olho
O lábio
Cai
Sem saber se veio do céu ou do meu olhar
Não diz nada
Lava a rua
Lava minh’alma
O coração
A raiva e as dores
Que não posso dizer
Pelos lábios…
Acalma
Esfria
A pele
Os ossos
A alma
O lábio
Escorre pelo cabelo
Pelo olhar
Pela ponta do nariz
Do lábio
Lava meu corpo
Chuto a poça
Rua abaixo sem olhar pra trás
Sem mágoas pelo chute
Ou pela boca suja
Ou pelo olhar indecente…
A chuva caiu
Escorreu
Caiu
Desceu
Se foi
Sem olhar pra trás
Levou os problemas momentaneamente
A chuva que me conheceu
Mais que muita gente…
VII.
A gente evita verdades
Medo das certezas
Sai à noite ouvindo o passado
Músicas com direitos autorais vendidos
Olhos da alma vendados…
A gente finge que se engana
A gente pede, o corpo clama…
A vontade de não se estar sob à pele na qual se encontra
Então a gente se sufoca
De dentro pra fora
Tudo inunda e pelos olhos derrama
A chuva lava
O fogo reacende
A vida passa
O ar enche
O medo esvazia
E a gente se esvai
Até quando essas cordas vão nos sustentar?
VIII.
Alguém esqueceu o coração por aqui
Quem achava que o tinha no lugar
E sabia onde iria dar
Tem culpa eu de ter esse olhar
Só pra te ver?
Alguém o deixou por aqui
Frágil como um balão branco
Todo rabiscado
Coitado
Borracha e tinha azul por todo lado
E é minha culpa se minhas palavras
Te procuram?
Aqui ele foi largado
Esquecido
Encardido
Um pouco rasgado
Um pouco partido
Nesses pedaços
Teu nome escrito
Culpa de quem?
Dalí resgatado
Um pouco pecado
Um pouco benzido
Nos dias
Na noite
Um pouco de nós
Um pouco mais de mim
Culpado ou não?
Coração de balão
Que, se enche demais,
Explode em sua própria ilusão
E vazio não se sustenta
Não aguenta
Que quando se brinca muito
Ninguém quer mais
Brincar de quê?
Melhor escondê-lo
Melhor sozinho
Melhor vazio
Ou talvez cheio
Coração branco
A paz do ar a me soprar
A me encher
A me tirar o ar
Ao gemer
Ao calar