Então, o que a velocidade da luz tem de tão especial? Por que o universo parece querer conspirar para que, primeiro, fótons não viajem senão à 300.000 quilômetros por segundo num vácuo – de acordo com qualquer observador – e, dois, impedir coisas de viajarem acima dessa velocidade?
A resposta: essa afirmação é falsa. No mínimo ao contrário. O universo não se organiza pra manter a velocidade da luz constante.
De fato, o espaço-tempo não dá a mínima para a luz. O limite cósmico de velocidade trata de algo bem mais profundo. Essa constante universal é, talvez, mais precisamente a velocidade da causalidade.
Conexões causais nos dão a única ordem de eventos unânime entre observadores. Mas por que a causalidade deveria ter limite de velocidade? E por que essa velocidade deveria ser a mesma da luz?
Para entender, vamos ter em mente duas das maiores ideias de toda a física. Prontos?
Primeiro, 1632 – babados no colarinho, peregrinos em Plymouth, e na Itália, Galileu estava prestes a ser condenado pela inquisão por causa do seu livro apoiando Copérnico e a aquela coisa lá da Terra não ser o centro do universo.
Mas em seu livro há uma outra ideia, menos popular, o seu Princípio da Relatividade. Não é a Relatividade de Einstein, ao invés disso é seu precursor brilhante.
Não é especial nem a localização da Terra, nem, decerto, qualquer outra localização mas Galileu coloca que nenhuma velocidade é especial também. Colocando de outra forma, todos os Experimentos deveriam conceder os mesmos resultados não importa a velocidade de seu referencial não-acelerado, ou inercial.
Esta Relatividade de Galileu é uma descoberta incrível que Isaac Newton codificaria depois nas suas Leis de Movimento.
Pulemos para o século XVIII – cartolas, marias fumaça, e experimentos malucos para descobrir as leis da eletricidade e do magnetismo. Entra em cena James Clerk Maxwell, maestro da ciência, que insere essas leis nas suas equações epônimas, que descrevem o fenômeno eletromagnético completamente, com grande elegância.
Ao final do século, tínhamos as equações de Maxwell, a mecânica de Newton, várias outras teorias arrasadoras, e existia uma sensação de que a física poderia estar completa, exceto por sinais de que alguma coisa horrivelmente errada se esgueirava na matemática – na verdade, dois sinais.
As primeras pistas para a bizarra realidade quântica da natureza tinham emergido. E mais importante para este texto, as equações de Maxwell tinham causado confusão na Relatividade sagrada de Galileu.
De fato, sabemos agora que até mesmo a mecânica de Newton estava usando premissas que implicavam numa velocidade infinita
da luz, o que não é nada bom. Isso implicaria que o espaço e o tempo não existiriam. Mas eu estou pondo a carroça à frente dos bois.
Antes, me deixe explicar o problema com as equações de Maxwell. Imagine um pônei de patins com um macaco andando de skate nas suas costas. E que seja um macaco elétrico.
Por quê?
Bom, o magnetismo vem de cargas elétricas se movendo. Então, um macaco skatista elétrico num pônei patinador gera um campo magnético, obviamente. E eu posso descobrir qual a força do campo, a partir das equações de Maxwell, baseado no que parece
ser a velocidade total do macaco.
Mas qual é essa velocidade?
Galileu e Newton nos dizem que a velocidade total do macaco é a velocidade do patins do pônei somado com skate do macaco. Mas e se esse pônei muito esperto resolver as equações de Maxwell? Ele verá que o macaco se move apenas na velocidade do macaco skatista, e portanto obtém um campo magnético completamente diferente.
Então quem está certo, eu ou o pônei?
A chave está no que estamos realmente medindo. Não medimos o campo magnético. Medimos seu efeito. Medimos força. E o pônei mede a mesma força que eu. Veja, de acordo com a velocidade há uma troca entre os campos elétrico e magnético. Os dois trabalham juntos para fornecer a mesma força eletromagnética, de Lorentz, independente do referencial.
Isso nos diz que a força eletromagnética dá pistas para a relação
fundamental entre espaço, tempo e velocidade.
Como resolvemos essa conexão?
Ela estará codificada na transformação que permite às equações de Maxwell pular inconspicuamente entre referenciais – a transformação que representa espaço e tempo na nossa realidade.
Essa tal transformação, é como uma varinha matemágica que você balança pra sua descrição de espaço-tempo ou suas leis da física. E ela vai te transportar entre referenciais no estilo Harry Potter. Vingardium leviosa.
Por exemplo, a transformação de Galileu basicamente diz que velocidades se adicionam e espaço e tempo não dependem da velocidade. A mecânica de Newton usa isso. E nós acabamos de aplicá-la às equações de Maxwell para obter a velocidade total do macaco.
Mas acontece que não existe uma forma de escrever as equações de Maxwell para que elas dêem resultados constantes sob a transformação de Galileu.
Elas não são invariantes à transformação. Elas meio que dão a força correta à baixas velocidades. Mas os campos são uma bagunça. E à altas velocidades – esqueça.
Então isso significa que Maxwell estava errado? Não.
Significa que a transformação de Galileu está errada. A transformação embasando a mecânica de Newton está errada. A única transformação que funciona é chamada transformação de Lorentz.
E ela foi descoberta ainda antes da Relatividade de Einstein. Mas foi Einstein que percebeu que a transformação de Lorentz nos diz como espaço e tempo estão conectados e que isso também prevê a velocidade da causalidade.
Agora, podemos obter essa transformação como Einstein e Lorentz conseguiram ao requerir uma velocidade da luz constante.
Mas vamos esquecer a velocidade da luz. Essa transformação é tão profunda, que é inevitável, baseada em poucas assertivas simples sobre a natureza do espaço e do tempo.
Vou mostrar como. Primeiro, não vamos fingir que sabemos como velocidades se somam. Não sabemos se a velocidade total do macaco é igual à velocidade do patins mais a velocidade do skate.
Por que iríamos assumir tal coisa? Depois, não há referencial inercial favorito. Sob a nossa nova transformação, as leis da física funcionarão igualmente independente de posição, orientação, ou velocidade. Não importa onde está o pônei, ou quão rápido ele é, ou em que direção está patinando. Isto precisa ser vedade.
A Terra está viajando ao redor do Sol, o Sol ao redor da Via Láctea. Posição, orientação e velocidade estão evoluindo massivamente. Mas parece que os nossos experimentos não estão nem aí.
Finalmente, suponha que o universo faz sentido. Requeira que nós podemos transformar consistentemente entre referenciais. Eu deveria ser capaz de usar a mesma transformação para chegar ao referencial do macaco que uso para chegar ao referencial do pônei, apenas usando velocidades diferentes.
Eu deveria ser também capaz de pular consistentemente entre múltiplos referenciais, indo e voltando. Eu posso visitar o referencial do macaco indo primeiro ao referencial do pônei e depois indo do pônei ao macaco. Eu também posso voltar para o meu referencial ao colocar um sinal negativo nas velocidades.
Essencialmente, estamos apenas requerindo uma consistência básica no funcionamento das dimensões. Finalmente, finalmente – utilizemos esses axiomas para fazer um tiquinho de álgebra.
O resultado é a transformação de Lorentz. É a única que satisfaz a todas essas afirmações muito fundamentais sobre a relatividade, simetria e consistência do nosso universo.
Ela precisa descrever nossa realidade. E portanto, é necessário um limite de velocidade cósmico.
Por quê?
Este limite de velocidade absoluto – vamos chamá-lo de c – é o parâmetro definindo a transformação de Lorentz.
Através desse parâmetro, a transformação de Lorentz prevê um limite de velocidade cósmico. Agora, a transformação de Galileu acaba por ser apenas um caso especial da transformação de Lorentz, em que c é igual a infinito.
E honestamente, só dos argumentos de simetria e relatividade que elaboramos, c poderia ser infinito. Mas por outras razões – ainda não relacionadas com a luz – nós sabemos que ele não pode ser.
Vejamos, a transformação de Lorentz finalmente nos permite escrever uma versão da equação de Maxwell que é invariante à transformação. De posse dela, podemos escrever uma lei do eletromagnetismo que funciona em todos os referenciais.
Isso é outra evidência de que a nossa nova transformação descreve nossa realidade com precisão. Mas ela só funciona com um valor muito específico de c.
Esse valor deve ser uma combinação das constantes fundamentais das equações de Maxwell. Para que as leis da eletricidade e do magnetismo funcionem, precisamos de um limite finito para velocidade cósmica, mesmo sem considerar a luz.
Mas olha só isso. A combinação exata que nos dá o limite cósmico de velocidade também acaba por definir a velocidade de propagação de ondas eletromagnéticas – a velocidade da luz.
>> c é a velocidade da luz <<
>> Mas é a velocidade da causalidade antes disso. <<
É a velocidade máxima com que duas partes do universo podem se comunicar. De fato, é a velocidade máxima com que quaisquer observadores podem ver duas partes do universo falando entre si.
Por causa disso, é a única velocidade com que qualquer partícula sem massa pode viajar. Então luzes ou fótons, também ondas gravitacionais e glúons, nenhum tem massa. Logo, eles viajam na velocidade mais rápida possível.
Massa é um impedimento ao movimento. Sem massa, sem impedimento. Então, coisas sem massa vão tão rápido quanto possível. De fato, a própria existência de massa e espaço e tempo nos diz que o limite de velocidade universal é finito.
A interpretação Einsteiniana do significado a transformação de Lorentz nos dá a teoria especial da relatividade – dilatação do tempo, contração do espaço, e, é claro, equivalência entre massa e energia, como descrita pela famosa equação, E igual à mc ao quadrado.
Essas são conclusões inevitáveis uma vez que tenhamos as relações básicas entre tempo e espaço descritas pela transformação de Lorentz e aceitamos a interpretação que Einstein lhe dá.
Então o que aconteceria sem um limite de velocidade universal e fingimos que c é igual a infinito?
>> Não haveria matéria. <<
Porque seria necessária energia infinita para gerar qualquer massa. Haveriam apenas partículas sem massa viajando à velocidade infinita. Dilatação do tempo e contração do espaço seriam infinitas.
>> Não existiria tempo, espaço, causa ou efeito, porque todas as localizações e todos os tempos se comunicariam entre si instantaneamente. <<
O universo seria um aqui-e-agora infinitesimal. Isso tudo é bem paradoxal. E haveriam, portanto e por definição, inconsistências nesse quadro.
Contudo, o paradoxo em si nos diz que uma velocidade infinita é impossível. A velocidade finita da causalidade é fundamental para que tenhamos um universo em primeiro lugar. E nós queremos um universo para que nós possamos vê-lo.