“Minha alma, minha alma, onde você está?
Você me ouve?
Eu falo, eu te chamo – você está aí?
Eu retornei, estou aqui novamente.
Eu sacudi a poeira de todas as terras dos meus pés, e vim até você, estou com você.
Após longos anos de longa peregrinação, eu voltei a você novamente…”
A imaginação ativa é uma técnica desenvolvida pelo psicólogo e psiquiatra suíço Carl Jung. É um dos conceitos fundamentais da psicologia analítica. Ele a considerava a ferramenta mais poderosa para acessar o inconsciente e alcançar a totalidade da personalidade, uma potencialidade latente. Inicialmente, Jung hesitou em publicar trabalhos sobre a imaginação ativa, sem nomeá-la especificamente, referindo-se a ela como “o método da imagem” ou “visualização”.
A imaginação ativa é um diálogo com diferentes partes de si mesmo que vivem no inconsciente. De alguma maneira, é semelhante a sonhar, exceto que você está totalmente acordado e consciente durante a experiência. Isso, de fato, é o que dá a esta técnica sua qualidade distintiva. Em vez de entrar em um sonho, você entra em sua imaginação enquanto está acordado. Você permite que as imagens surjam do inconsciente e cheguem até você no nível da imaginação, assim como fariam em um sonho se você estivesse dormindo.
Se honestamente queremos encontrar nossa própria totalidade, viver nosso destino individual o mais plenamente possível; se realmente queremos abolir a ilusão em princípio e encontrar a verdade do nosso próprio ser, por menor que gostemos de ser como somos, então não há nada que possa nos ajudar tanto em nosso empreendimento quanto a imaginação ativa.
A imaginação ativa não é apenas uma expressão do conteúdo pessoal, mas do inconsciente coletivo. É uma tentativa de descobrir o que é essencialmente humano.
Jung descobriu este método entre os anos de 1913 e 1916, um período de desorientação e intensa turbulência interna que ele chamou de sua confrontação com o inconsciente. Ele buscou um método para se curar de dentro para fora, através do poder da imaginação. Ele escreveu: “Foi durante o Advento do ano de 1913 – exatamente em 12 de dezembro – que eu resolvi dar o passo decisivo. Eu estava sentado novamente à minha escrivaninha, pensando sobre meus medos. Então, eu me deixei cair. De repente, foi como se literalmente o chão desaparecesse sob meus pés, e eu mergulhasse nas profundezas escuras.”
Após sua visão onde encontrou figuras estranhas de sua imaginação em uma caverna escura, ele se viu coberto de sangue imaginativo, um jato espesso dele saltou e ele se sentiu nauseado. Ele continuou a ver fantasias em que o sangue era um tema recorrente, incluindo milhares de corpos mortos e todo o mar se transformando em sangue. Isso foi justo antes do surto da Primeira Guerra Mundial.
A culminação da experiência de Jung com a imaginação ativa está presente em seus Livros Negros, escritos entre 1913 e 1932. Ele mais tarde começou a copiar essas notas no Liber Novus (o “Livro Novo”), também conhecido como o Livro Vermelho, devido à sua capa de couro vermelha, onde incluiu uma caligrafia de estilo medieval e representações de suas visões do inconsciente. Este livro ele mostrou apenas a alguns de seus amigos mais próximos. Foi somente cerca de 50 anos após sua morte que o Livro Vermelho foi publicado em 2009.
Jung mergulhou em uma aventura imaginativa que ele se referiu como seu “experimento mais difícil”, e afirmou que, “para o observador superficial, parecerá loucura.” Não era, contudo, uma doença, mas um experimento consciente e deliberado. Jung permaneceu firmemente ancorado no mundo com sua família e seu trabalho como psicólogo, e assim não foi dominado pelo seu inconsciente. Ele começou conversas com forças que não eram ele mesmo, mas sim arquétipos do inconsciente coletivo. Ele viu o que chamou de “imaginação mitopoiética” como o intermediário entre a consciência e o inconsciente (tanto o inconsciente pessoal quanto o coletivo).
A alquimia desempenhou um papel chave na compreensão de Jung sobre a psique. Inicialmente, ele a desconsiderou como um absurdo indecifrável – mas logo percebeu que os estranhos símbolos presentes na alquimia vinham da mesma fonte que ele estava investigando, o inconsciente. Ele continuou estudando-a por toda a sua vida.
Em sua última grande obra, Mysterium Coniunctionis, completada aos 81 anos, Jung descreve a imaginação ativa como o caminho para o autoconhecimento e o processo de individuação, tornar-se quem você é, inspirado pelo processo alquímico da união dos opostos, que no sentido mais profundo é transformação interna.
A coisa importante na imaginação ativa é permitir que as fantasias ou sonhos sigam seu curso. Jung explicou o processo em uma carta: “O ponto é que você começa com qualquer imagem, por exemplo, apenas com aquela massa amarela do seu sonho. Contemple-a e observe cuidadosamente como a imagem começa a se desdobrar ou mudar. Não tente fazer com que se transforme em algo, apenas observe o que são suas alterações espontâneas.”
Para a maioria das pessoas, a dificuldade está em começar a imaginação ativa. No entanto, há uma precaução fundamental que todos devem tomar antes de começar a imaginação ativa. Algumas pessoas podem ficar tão totalmente possuídas pelo fluxo de imagens que não conseguem sair dele. Suas mentes se perdem no reino da fantasia e não conseguem encontrar o caminho de volta ao aqui e agora do mundo ordinário.
O inconsciente é poderoso, e se vamos nos aproximar dele, devemos fazê-lo com respeito e cuidado. Embora seja um experimento solitário, é aconselhável ter alguém próximo a você no início, caso você fique sobrecarregado pela imaginação, ou consultar um analista junguiano competente antes de empreender esta técnica.
Em seu livro, “Trabalho Interno: Usando Sonhos e Imaginação Ativa para Crescimento Pessoal”, o autor americano e analista junguiano Robert A. Johnson nos dá um guia sobre como fazer trabalho interno, maneiras diretas de abordar o inconsciente através de sonhos e imaginação ativa, e descobrir as profundezas ocultas de nossa personalidade, enriquecendo nossas vidas.
Nós nos concentraremos especificamente em como abordar nosso eu interior através da imaginação ativa. Embora Jung tenha considerado os sonhos de alta estima, ele considerou a imaginação ativa um caminho ainda mais eficaz para o inconsciente. A diferença está nisto: quando você sonha, recebe sinais do inconsciente, mas a mente consciente não participa. A menos que você esteja experimentando um sonho lúcido onde está consciente de que está sonhando. Na imaginação ativa, por contraste, a mente consciente participa ativamente. O ego entra no mundo interior, caminha, faz amizade ou luta com as pessoas que encontra lá. Você se envolve em conversa, troca pontos de vista, passa por aventuras juntos e, eventualmente, aprende algo um com o outro. Um novo mundo com possibilidades ilimitadas. Os eventos ocorrem no nível imaginativo, que não é nem consciente nem inconsciente, mas um local de encontro, um terreno comum onde ambos se encontram em termos iguais, dando origem à função transcendente, o Si-mesmo, que se apresenta como a síntese dos dois opostos.
A imaginação ativa é diferente da fantasia passiva e ordinária. Isso é devaneio: é sentar e simplesmente assistir ao fluxo de fantasia que acontece no fundo de sua mente como se você estivesse em um cinema. Você não participa conscientemente e, portanto, é um desperdício de
energia, pois os problemas não são resolvidos. O “eu” deve entrar no ato imaginativo tão intensamente quanto se fosse uma experiência externa, física.
Robert dá um exemplo de uma mulher que estava repintando sua casa e não conseguia dormir por causa de sua obsessão com as diferentes cores e designs. Ela ficou irritada com seu marido, que não conseguia entender sua agitação. Uma noite, ela entrou em diálogo com um ser interior, expressando seu humor, “JA” refere-se a um artista japonês andrógino e “E” refere-se ao seu ego.
“JA: Eu tenho medo. E: Medo de quê? JA: Tenho medo de ser trancado novamente. E: Trancado? JA: Raramente há oportunidades para mim expressar. Parece que devo trabalhar muito rápido e intensamente enquanto a porta está aberta para mim. Logo será o fim, e eu serei trancado novamente. E: Começo a entender o que você quer dizer. Em minha vida, houve poucas saídas para você, tão poucas que mal sabia que você existia. A cultura em que vivo não oferece nenhum lugar para você. E eu não me separei da minha cultura neste assunto para prover para você. JA: Isso é verdade. Sinto que estive morrendo de fome. Isso pode ser minha única oportunidade…”
Após essa imaginação ativa, essa mulher encontrou um novo mundo se abrindo para ela. Ela tinha estado tão envolvida com trabalho mental – pensar, analisar, produtividade – que não havia espaço em sua vida para o reino da beleza física. Ela começou a conversar regularmente com essa figura interna do artista japonês. Ela começou a passar tempo trabalhando em seu jardim ou na oficina de cerâmica e em outras atividades físicas ou artísticas que a colocaram em contato com valores terrenos e femininos. Ao honrar essa parte de si mesma, ela obteve uma profunda satisfação, um conhecimento de que estava nutrindo uma parte de si mesma que antes estava morrendo de fome. Sua sensação de quem ela é havia se ampliado.
Robert teve um paciente que inventava toda a sua imaginação ativa semana após semana, apenas para zombar dele. Ele revelou isso no último dia. Robert olhou para ele, e a expressão triunfante do paciente lentamente mudou para uma de horror. Lágrimas vieram aos seus olhos. Ele praguejou e percebeu que tudo o que estava fazendo, de fato, era verdade, mas ele não queria admitir. Ao tentar inventar sua história “falsa” para enganar Robert, ele estava derramando os conteúdos secretos de seu ser interior.
É comum perguntar: “Como sei que não estou apenas inventando tudo isso? Como posso conversar com alguém que é apenas um fruto da minha imaginação?” Robert nos diz que é quase impossível produzir algo na imaginação que não seja uma representação autêntica de algo no inconsciente. Você não está apenas conversando consigo mesmo, mas com seus vários eus. É esse o ponto. As figuras internas são autônomas. Isso é algo que não queremos ouvir, pois é uma realidade assustadora saber que não somos os mestres da nossa casa.
A imaginação ativa não só tem a ver com questões imediatas em nossas vidas pessoais, mas também pode assumir a forma de uma aventura mítica, uma jornada para o reino arquetípico. Colocar os pés em uma terra do mal, assumir uma missão heróica para curar os doentes e feridos e ajudar uma rainha inocente. Cada um de nós tem todos os grandes temas arquetípicos escondidos dentro. No entanto, poucos de nós podem realmente participar dessa grande energia primordial dentro de nós, ao contrário de nossos ancestrais primitivos.
Esse tipo de imaginação ativa nos conecta à dança cósmica eterna dos arquétipos que acontece eternamente no inconsciente. É uma maneira de descobrir como essas energias universais fluem através de nós como indivíduos e se expressam de maneira única e especial dentro de nossas personalidades individuais. A
técnica de amplificação de Jung ajuda a interpretar essas imagens arquetípicas usando paralelos mitológicos, históricos e culturais para “aumentar o volume” do material de fantasia.
Robert nos dá uma abordagem de quatro etapas sobre como começar com a imaginação ativa. Mas, antes de iniciar o primeiro passo, é importante encontrar uma maneira conveniente de registrar a imaginação à medida que ela flui. Muitos desistem antes de começar porque não conseguem descobrir isso. Seu diálogo interior deve ser escrito, digitado ou gravado. Isso é sua principal proteção contra transformá-lo em apenas outra fantasia passiva. A escrita ajudará você a lembrar e digerir a experiência.
Uma coisa importante é o ambiente físico. Deve haver um quarto que seja silencioso e privado o suficiente para que você possa desligar o mundo exterior por um tempo, pelo menos meia hora. Você também precisa estar sozinho. Se você mora com outras pessoas, diga a todos na casa que você não deve ser perturbado, exceto por uma explosão nuclear ou a Segunda Vinda. Você tem direito a esse tipo de liberdade, privacidade e segurança. Você precisa disso para fazer sua jornada para o mundo interior. Você deve ser capaz de expressar seus sentimentos e emoções brutos sem se preocupar que alguém esteja assistindo ou ouvindo você.
O primeiro passo na imaginação ativa é convidar as criaturas do inconsciente a subirem à superfície e fazerem contato conosco. Cada interação nos ajuda a desenvolver os órgãos de percepção do mundo imaginal. Muitas vezes temos algo vago e invisível no inconsciente que nos incomoda. Podemos sentir o conflito logo abaixo da superfície, mas não podemos ver o que está acontecendo. Às vezes é uma raiva inexplicável e sem foco. Não podemos dizer por que estamos com raiva, ou de quê – apenas a sentimos. Humores, preocupações, depressões, inflações e obsessões entram nesta categoria.
Robert escreve: “Quando isso acontece, você pode ir ao inconsciente em sua imaginação e pedir que o conteúdo invisível se personifique. Você pode começar sua Imaginação Ativa perguntando: Onde está a obsessão? Quem está obcecado? De onde vem esse sentimento? Quem é o que está dentro de mim que se sente assim? Qual é a imagem dele ou dela? Como ele ou ela se parece?” Se você fizer isso, eventualmente uma imagem virá à sua mente. Convidamos as pessoas internas a começar o diálogo.
Ao nos desligarmos do mundo exterior ao nosso redor e nos concentrarmos na imaginação, podemos direcionar nosso olhar interior para um lugar dentro de nós e então esperar para ver quem aparecerá. Para convidar as figuras internas, precisamos “esvaziar a mente-ego”. Limpamos a mente de todos os pensamentos do mundo externo e simplesmente esperamos, com uma atitude alerta e atenta, para ver quem ou o que aparecerá. Se você vir alguém, pode começar perguntando: “Quem é você? O que você quer? O que você tem a dizer?” Seu diálogo começa.
Entregue-se à experiência e não tente controlar ou empurrar a imaginação em nenhuma direção específica. Se você tem algum material de fantasia que esteve em sua mente o dia todo, pode assumir com segurança que ele expressa um dos principais conflitos onde a energia psíquica está concentrada em você. Você pode começar indo para aquele lugar específico como ponto de partida para a imaginação ativa. Em vez de observar passivamente a mesma fantasia se repetir indefinidamente em sua mente, você leva o material adiante.
Você também pode começar a imaginação ativa incorporando uma de suas figuras internas e assumindo sua consciência, ou fazer seu convite indo a um lugar simbólico em sua imaginação. Robert escreve: “Para mim, a beira-mar é um lugar mágico que muitas vezes aparece em meus sonhos. Quando não sei como começar minha Imaginação Ativa, frequentemente vou à beira-mar em minha mente e começo a caminhar. Inevitavelmente algo acontece ou alguém aparece, e então a imaginação é lançada.”
Curiosamente, sonhar
diminui drasticamente quando se faz imaginação ativa. As questões que teriam sido apresentadas nos sonhos são confrontadas e trabalhadas. Como tal, os sonhos se tornam mais focados e concentrados, e menos repetitivos, pois os sonhos não desperdiçam seu tempo. Jung costumava descrever esse método para pessoas que estavam sobrecarregadas por sonhos intensos e frequentes.
Você convidou o inconsciente; as imagens surgiram em sua imaginação. Agora você está pronto para começar o segundo passo, o diálogo. Isso é se entregar à imaginação e deixá-la fluir, permitir que as figuras internas tenham vida própria. Na sua imaginação, você começa a conversar com suas imagens e interagir com elas. Elas respondem. Você fica surpreso ao descobrir que elas expressam pontos de vista radicalmente diferentes dos da sua mente consciente. Elas lhe dizem coisas que você nunca soube conscientemente e expressam pensamentos que você nunca pensou conscientemente.
Para começar o processo de escrita, Jung escreveu: “As alterações devem ser cuidadosamente anotadas o tempo todo, pois refletem os processos psíquicos no pano de fundo inconsciente, que aparecem na forma de imagens consistindo de material de memória consciente. Desta forma, consciente e inconsciente são unidos, assim como uma cachoeira conecta o alto e o baixo.”
Ao focar na sua escrita, você se concentra e experimenta a imaginação ativa mais profundamente, protegendo-se de divagar em fantasias passivas que se infiltram pelas bordas da mente. Frequentemente, a pessoa interna o levará por um caminho. Se você sentir que está errado seguir a pessoa, você tem o direito de dizer isso. Isso, por sua vez, muitas vezes levará a uma discussão acalorada sobre o conflito entre essa pessoa interna e você. O diálogo começou, e as diferentes partes do self estão aprendendo umas com as outras.
A maioria das pessoas fala bastante em sua imaginação ativa, trocando pontos de vista com as figuras internas, tentando trabalhar um meio termo entre pontos de vista opostos, até mesmo pedindo conselhos a alguns dos sábios que vivem no inconsciente. No entanto, nem todo diálogo é verbal – ele também pode assumir a forma de imagens que falam com você sem palavras.
É importante se ater à imagem com a qual começamos e não permitir que nos distraiamos com outro material de fantasia. Pode levar dias, semanas ou até anos para uma certa fantasia ser resolvida. Você deve estar presente com seus sentimentos e sentir que realmente está acontecendo. Você não é apenas um observador, mas um participante ativo. Não tente dominar ou manipular a conversa também. A imaginação ativa é, mais do que tudo, um processo de escuta, seja das palavras ou das imagens.
Depois de tantos anos ignorando essas partes de nós mesmos, vendo-as como características inferiores em nossas personalidades, descobrimos que elas têm algumas coisas muito desagradáveis para nos dizer quando finalmente ouvimos. Elas também podem aparecer como assustadoras e ameaçadoras; isso é sua Sombra Dourada, com a qual você deve lutar para encontrar seu potencial não descoberto.
Devemos nos voltar de forma amigável ao inconsciente. É somente quando ouvimos humildemente e damos tempo para eles se expressarem que podemos ganhar novas percepções que podem ser integradas à nossa vida consciente. Como Jung escreveu: “Sabemos que a máscara do inconsciente não é rígida – ela reflete o rosto que voltamos para ela. Hostilidade lhe dá um aspecto ameaçador, amizade suaviza seus traços.”
O ego é uma pequena ilha cercada por um oceano profundo e invisível de energia onde forças enormes estão em trabalho. A imaginação ativa é mergulho submarino. Embora nosso ego seja pequeno em comparação, não devemos tomar tudo o que as figuras internas dizem como autoridade final. Isso seria tão unilateral quanto nossa abordagem centrada no ego. A imaginação ativa parte da afirma
ção de que o inconsciente tem sua própria sabedoria.
Não deve ser confundida com a prática de meditação guiada, que busca “programar” o inconsciente para que faça o que o ego quer. Não há roteiro, nada é predeterminado. Você terá que encontrar seu próprio caminho, o que é tanto aterrorizante quanto emocionante. Você deve, em última análise, caminhar sozinho por esse caminho.
O terceiro passo é o elemento ético e de valores que nosso ego deve introduzir. Ética deriva do grego e significa “conduta adequada”. Por sua vez, deriva da palavra grega ethos, que significa o “caráter essencial ou espírito” de uma pessoa ou povo. Ela estabelece limites para proteger o processo imaginativo de se tornar desumano ou destrutivo. O universo é impressionante e belo, mas suas forças se comportam de maneira amoral. Elas não estão preocupadas, como nós estamos, com os valores especificamente humanos de justiça, equidade, serviço aos nossos semelhantes.
Esses arquétipos primitivos servem a um reino próximo aos instintos. Eles não têm um super-ego (comportamento socialmente apropriado). E já que as criaturas que surgem em nossa imaginação ativa são personificações das forças impessoais da natureza, somos nós que devemos trazer a ética para a imaginação ativa. Mas nem todos os arquétipos são assim; alguns podem estar preocupados com valores humanos, por um senso de amor e responsabilidade moral.
Há alguma verdade e sabedoria em cada figura que nos vem na imaginação ativa, e elas nos ajudam a compensar a unilateralidade de nosso ego.
O quarto e último passo são os rituais. Para trazer a imaginação ativa do nível abstrato, devemos dar-lhe a concretude da experiência física imediata. O passo mais importante de todos é que as imagens do inconsciente encontrem seu lugar e propósito na nossa vida exterior. Um ponto importante aqui é não pegar nossos conflitos e impulsos internos e tentar vivê-los externamente. Por exemplo, se um homem está discutindo com sua figura interna durante a imaginação ativa, ele pode ir e iniciar a mesma discussão com sua esposa imediatamente depois. Ele tentará viver a imaginação externa e literalmente, projetando em pessoas externas.
Por essa razão, é importante que não se traga à mente a imagem do cônjuge, amigo ou colega de trabalho e comece a conversar com essa pessoa em sua imaginação. Isso confunde a realidade interna com a externa. Se solicitado, a figura interna quase sempre cooperará e alterará sua aparência. Você pode então entrar em seu diálogo com uma clara sensação de que está conversando com uma parte de si mesmo, e não com um ser humano externo.
Para encarnar a experiência, devemos realizar um ritual físico ou integrar o que aprendemos em nossa vida diária. Isso pode ser tirar algum tempo sozinho para estar ciente de seus sentimentos, acender uma vela ou incenso, fazer uma caminhada e dirigir seus olhos para as cores da natureza e do céu, reconectando-se ao mundo físico. Ou torná-lo tangível com brincadeiras de areia, desenho, massinha, etc.
O ritual de Jung foi a caligrafia e a arte do Livro Vermelho, que o ocupou por muitos anos. Ele levou sua comunicação com o inconsciente a sério e a valorizou muito. Cada ritual deve ser feito sob medida a partir do material bruto do seu próprio eu interior. Mantenha seus rituais pequenos e sutis, e eles serão mais poderosos. Os melhores rituais são físicos, solitários e silenciosos: estes são os que registram mais profundamente com o inconsciente.
Nossa tendência no Ocidente é tornar tudo abstrato, usar discussão cheia de palavras como substituto para a experiência direta do sentimento. Temos uma tremenda necessidade de envolver nossos corpos e nossos sentimentos. “Ritual, em sua verdadeira forma, é um dos canais mais significativos para nosso espanto e sentido de adoração. É por isso
que o ritual surgiu espontaneamente entre os humanos em todas as partes da terra. É por isso que as pessoas modernas, privadas de rituais significativos, sentem um crônico senso de vazio. Elas são negadas o contato com os grandes arquétipos que nutrem nossa vida espiritual.”
A imaginação ativa é uma jornada profunda que oferece a oportunidade de nos conectar com as profundezas desconhecidas de nós mesmos, enfrentar nossas sombras e, ao mesmo tempo, descobrir nossos potenciais inexplorados. Ao engajar-se nesse processo, somos chamados não apenas a confrontar, mas também a integrar e harmonizar os vários aspectos de nosso ser, promovendo um crescimento pessoal significativo e duradouro.
Este caminho para o autoconhecimento e a transformação interior requer coragem, disposição para enfrentar o desconhecido e um compromisso com a honestidade pessoal. Ao praticar a imaginação ativa, abrimos portas para o diálogo com o inconsciente, permitindo uma troca que pode enriquecer imensamente nossa compreensão de nós mesmos e do mundo ao nosso redor.
Cada passo neste processo, desde o convite às imagens surgirem até a integração dessas experiências na vida cotidiana através de rituais, enfatiza a importância de um envolvimento consciente e respeitoso com o inconsciente. Ao honrar e dar voz aos aspectos mais profundos de nosso ser, podemos encontrar um caminho para uma vida mais autêntica e plena, alinhada com nosso verdadeiro propósito e potencial.
A imaginação ativa, portanto, não é apenas uma técnica psicológica; é uma prática espiritual que nos conecta com a fonte de nossa criatividade, sabedoria e resiliência. Ela nos convida a participar de uma dança com o mistério, onde cada passo revela novas facetas de nossa complexidade como seres humanos, abrindo caminho para uma jornada de autodescoberta sem fim.
Referências Bibliográficas
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