No nascimento do desejo, a terceira pessoa está sempre presente. Arguivelmente, quase toda a vida de uma pessoa é estruturada em torno do conceito de desejo. O que desejamos molda muitos de nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos. Não abordar isso deixa grande parte da condição humana completamente inexplorada.
Poucos assuntos são tão essenciais para compreender a nós mesmos e o mundo quanto entender de onde vem o desejo humano e o que torna alguns de nossos desejos tão intensos que levam as pessoas à violência e ao conflito.
É nesse contexto que René Girard entra. Durante o final do século XX, ele propôs uma das teorias mais influentes sobre o desejo na história. Se sua teoria estiver correta, ela tem implicações profundas para a filosofia, psicologia, sociologia, política e mais. Hoje, exploraremos a estrutura básica por trás das teorias de Girard, apresentadas em seu primeiro livro: Deceit, Desire, and the Novel. Vamos descobrir como nossos desejos não são totalmente nossos, por que a rivalidade é essencial para entender a política e, talvez, a peça mais importante de autoconhecimento que você encontrará.
Desejo Mimético – Uma Visão Geral
Há um grande pressuposto que sustenta nossa percepção de nós mesmos. Dostoiévski uma vez disse que existem verdades tão difíceis de suportar que não as admitimos nem a nós mesmos. De acordo com Girard, uma dessas verdades é que muitos de nossos desejos não são, na verdade, puramente nossos, mas adquiridos de outras pessoas. Em algumas situações, nosso desejo é, na realidade, o desejo de sermos outra pessoa.
No cotidiano, frequentemente tomamos como certo que nossos desejos vêm de dentro de nós. Por exemplo, quando queremos algo simples como um casaco novo, o pensamento usual é: Eu vejo o casaco, acho bonito e então quero comprá-lo. Assim, muitas vezes assumimos que nossos desejos têm origem em algo interno. Isso se aplica também à maneira como pensamos sobre o amor: acreditamos que nos apaixonamos por alguém devido às qualidades específicas dessa pessoa.
Até mesmo grandes filósofos raramente questionaram essa origem. Schopenhauer, os estoicos e Buda discutiram a dor provocada pelo desejo não realizado, mas geralmente assumiram que o desejo surge de dentro de nós.
Girard desafia essa ideia fundamental. Ele sugere que nossos desejos são frequentemente adquiridos de outras pessoas. Ele chama isso de desejo mimético: um desejo que pegamos de outra pessoa, seja ela real e presente ou idealizada, como um personagem literário, uma figura lendária ou um líder espiritual.
Esse fenômeno é mais fácil de reconhecer em exemplos triviais. Pense nas tendências de moda: por que algo se torna popular e, logo depois, desaparece? Na Inglaterra, por exemplo, houve um período em que muitos homens usavam calças extremamente justas. Essas pessoas acreditavam que estavam bem vestidas, mas, na verdade, estavam imitando os outros.
Outro exemplo histórico seria a mania das tulipas na Holanda do século XVII, onde as pessoas enlouqueceram por flores aparentemente comuns, criando uma bolha especulativa.
No entanto, Girard argumenta que o desejo mimético não se limita a frivolidades. Na verdade, ele pode se tornar algo extremamente sério, até mortal. A imitação é uma habilidade essencial para os humanos aprenderem e sobreviverem. Crianças pequenas, por exemplo, aprendem muito mais observando e copiando adultos do que através de instruções diretas.
Girard descreve como o desejo mimético funciona através de um triângulo: o desejante, o objeto do desejo e o mediador. O mediador é a pessoa que desejamos imitar; ele também deseja o objeto, e, portanto, acabamos desejando esse objeto por causa dele.
O conceito parece simples, mas a nuance está nos diferentes tipos de mediação que Girard identifica. Mais importante ainda, nas diferentes consequências que cada tipo de mediação pode gerar.
Mediação e Conflito
Girard introduz a ideia de que os mediadores podem ser classificados ao longo de um espectro, dependendo de sua distância espiritual em relação ao objeto desejado. Essa distância determina como o mediador influencia o desejante e o tipo de relação que se forma. Ele diferencia dois tipos principais de mediação: mediação externa e mediação interna.
Mediação Externa
A mediação é considerada externa quando o mediador está fora do alcance do desejante. Isso significa que ele não pode competir diretamente pelo objeto de desejo. Exemplos clássicos de mediadores externos incluem figuras espirituais como Cristo ou Buda. Esses mediadores são inatingíveis e, portanto, não podem ser rivais. O desejo mediado externamente geralmente está relacionado a metas espirituais ou morais, como alcançar a iluminação ou seguir um código ético.
Como o mediador externo não compete diretamente com o desejante, o desejo mimético nesse caso tende a ser menos conflituoso. Em outras palavras, a distância espiritual entre o mediador e o desejante evita rivalidades.
Mediação Interna
Por outro lado, a mediação é interna quando o mediador está próximo o suficiente para competir pelo objeto de desejo. Pense, por exemplo, em um colega de trabalho que almeja a mesma promoção ou um vizinho cujo sucesso financeiro desperta inveja. Nesse caso, a proximidade do mediador transforma o desejo mimético em algo potencialmente conflituoso. O mediador não é apenas um modelo, mas também um rival.
Quando a mediação é interna, as rivalidades podem escalar rapidamente. Girard aponta que isso não se limita a objetos materiais, mas também inclui metas mais abstratas, como ser espiritualmente superior ou socialmente mais bem-sucedido do que outra pessoa.
Desejo Metafísico
Além disso, Girard distingue entre desejos comuns e o que ele chama de desejo metafísico. Enquanto os desejos comuns envolvem o objeto em si, o desejo metafísico é mais profundo: é o desejo de ser o mediador. Esse tipo de desejo ocorre quando o admirador não apenas deseja o que o mediador possui, mas também quer assumir a identidade, o status ou a essência do mediador.
Por exemplo, ao admirar alguém famoso, uma pessoa pode começar a desejar não apenas a fama, mas a vida inteira daquela pessoa. Esse desejo metafísico, segundo Girard, pode levar a um estado de doença ontológica \u2014 um sentimento de insatisfação profunda com a própria existência.
Rivalidades e Conflitos
Um aspecto essencial da teoria de Girard é que a proximidade espiritual entre o mediador e o desejante pode transformar o desejo mimético em rivalidade. À medida que os rivais desejam o mesmo objeto, eles começam a se ver como obstáculos um para o outro. Isso pode levar a conflitos emocionais, sociais e até físicos.
Girard usa o termo mediação dupla para descrever situações em que duas pessoas servem como mediadoras uma para a outra. Nesse caso, o desejo de cada uma é intensificado pelo desejo da outra, criando um ciclo de imitação e rivalidade.
Um exemplo clássico de mediação dupla é o comportamento de crianças pequenas. Se uma criança começa a brincar com um brinquedo, outra criança pode, de repente, desenvolver um interesse pelo mesmo brinquedo \u2014 não porque o objeto seja particularmente especial, mas porque a outra criança o deseja. Esse mesmo padrão, segundo Girard, é amplamente replicado em interações adultas, incluindo disputas românticas, profissionais e sociais.
O Desejo Metafísico
Um dos conceitos mais intrigantes de Girard é o desejo metafísico, que vai além do desejo por um objeto. Trata-se do desejo de ser outra pessoa, o mediador. Para Girard, esse tipo de desejo está profundamente ligado a sentimentos de vazio existencial ou desconexão com a própria vida, o que ele chama de doença ontológica.
Origem do Desejo Metafísico
Esse desejo surge quando uma pessoa vê alguém como um ideal, alguém que parece possuir a solução para seus problemas existenciais. Esse mediador pode ser uma pessoa mais bem-sucedida, mais desejável ou que simplesmente não parece sofrer do mesmo vazio. O desejante projeta no mediador a ideia de que, ao ser como ele, encontrará a felicidade ou o sentido da vida.
Em contextos religiosos, figuras como Cristo ou Buda frequentemente ocupavam esse papel. No entanto, com o declínio de estruturas religiosas tradicionais, Girard argumenta que nosso desejo metafísico não desapareceu; ele foi redirecionado para outras pessoas ou ícones contemporâneos.
O Ciclo Destrutivo do Desejo Metafísico
Girard descreve o desejo metafísico como uma promessa falsa, pois ser outra pessoa é, obviamente, impossível. Por mais que se deseje a vida, a identidade ou o status do mediador, a pessoa nunca poderá realmente se tornar ele. Isso cria um ciclo autodestrutivo onde o indivíduo está constantemente buscando algo inalcançável.
No extremo, Girard sugere que o desejo metafísico é, na verdade, um desejo de escapar de si mesmo. Isso pode levar a uma busca incessante, onde o indivíduo acredita que a felicidade está sempre no próximo mediador ou no próximo objetivo, mas nunca alcança satisfação. É uma jornada sem fim, semelhante ao que Schopenhauer descreve como a natureza insaciável do desejo humano.
Ressentimento e Ódio
O desejo metafísico também gera ressentimento em relação ao mediador. O desejante, ao mesmo tempo que admira o mediador, sente inveja e ódio por ele. Isso ocorre porque o mediador representa tudo o que o desejante acredita que precisa para ser feliz, mas também simboliza sua própria inadequação.
Esse ressentimento pode levar a comportamentos destrutivos, tanto para o desejante quanto para aqueles ao seu redor. Em casos extremos, o ódio gerado pelo desejo metafísico pode se transformar em violência. Girard aponta que há uma conexão profunda entre desejo, ressentimento e conflito social.
Exemplos de Desejo Metafísico
Girard usa exemplos literários para ilustrar o desejo metafísico. Em Os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski, Dmitri e seu pai, Fiódor, entram em um conflito mortal por causa de Gruchênka, uma mulher por quem ambos estão apaixonados. Nesse caso, a rivalidade é intensificada pelo desejo metafísico: cada um quer não apenas o amor de Gruchênka, mas também o status e a validação que ela representa.
Outro exemplo é a relação entre Satanás e Deus em Paraíso Perdido, de John Milton. Satanás, incapaz de suportar sua posição subordinada, deseja não apenas ser como Deus, mas também tomar seu lugar. Essa dinâmica de admiração e ódio é central para o desejo metafísico.
A Instabilidade do Desejo Metafísico
Girard argumenta que o desejo metafísico é inerentemente instável. Mesmo que o desejante tente imitar o mediador, ele nunca conseguirá alcançar a satisfação, pois o problema fundamental não está no mediador ou no objeto, mas no próprio vazio interno do desejante.
Além disso, o mediador pode estar preso no mesmo ciclo. Muitas vezes, aqueles que admiramos como ideais também possuem seus próprios mediadores, perpetuando o ciclo de insatisfação e rivalidade.
A Tragédia do Desejo Metafísico
Girard descreve o desejo metafísico como uma tragédia eterna, onde o indivíduo está preso em um ciclo de busca incessante. Cada novo mediador traz esperança de alívio, mas inevitavelmente falha, aprofundando ainda mais o sentimento de vazio. Isso pode levar o desejante a um estado de desespero existencial, onde ele perde a esperança de encontrar significado ou realização.
Humildade e Autoconhecimento
Para Girard, a chave para mitigar os efeitos destrutivos do desejo mimético, especialmente do desejo metafísico, está na humildade. Essa humildade não é simplesmente uma virtude moral, mas uma forma de autoconhecimento profundo. Envolve reconhecer e admitir que nossos desejos são amplamente moldados por outras pessoas, algo que geralmente nos custa aceitar devido ao nosso orgulho e ego.
A Dificuldade de Admitir o Desejo Mimético
Admitir que nossos desejos não são inteiramente nossos é incrivelmente difícil, pois desafia uma das crenças mais arraigadas sobre nós mesmos: a ideia de que somos indivíduos autônomos, com desejos e objetivos únicos. Em nossa cultura, celebramos a individualidade e frequentemente ignoramos como somos influenciados por outros. O próprio ato de reconhecer essa influência pode parecer uma ameaça à nossa identidade.
Girard observa que o desejo mimético é muitas vezes visto como algo embaraçoso. Em nossa sociedade, glorificamos a figura do herói solitário que segue seu próprio caminho, motivado por paixões internas. Poucas histórias celebram protagonistas que passam o tempo inteiro imitando outras pessoas. Isso cria uma barreira psicológica que nos impede de aceitar a verdade sobre nossos desejos.
O Papel da Humildade
A humildade, segundo Girard, é o que nos permite superar essa barreira. Reconhecer nossos desejos miméticos é um ato de renúncia ao orgulho, que nos liberta das dinâmicas destrutivas de rivalidade e insatisfação. Quando admitimos que muitos de nossos desejos vêm de outros, a seriedade que costumávamos atribuir a esses desejos começa a se dissolver, e eles podem parecer até cômicos.
Girard compara esse processo ao movimento de sair de um estado de intensa gravidade para uma leveza. Esse alívio é crucial para romper os ciclos de imitação e rivalidade que alimentam o conflito interno e externo.
Desejo Mimético e Relacionamento com os Outros
Para Girard, o desejo mimético não apenas distorce nosso relacionamento conosco, mas também com os outros. Quando estamos profundamente imersos na imitação, deixamos de ver os outros como pessoas com valor próprio e passamos a tratá-los apenas como mediadores. Esse tipo de relacionamento é fundamentalmente desumanizante, tanto para o desejante quanto para o mediador.
Além disso, a busca incessante por validação através do desejo mimético nos transforma em um mosaico de influências externas. Perdemos o senso de quem realmente somos, pois nossa identidade é construída inteiramente em torno de imitações.
Autoconhecimento Através da Confissão
Girard acredita que o autoconhecimento vem da capacidade de reconhecer nossas tendências miméticas. Quando admitimos que somos influenciados pelos desejos de outros, adquirimos uma nova perspectiva sobre quais desejos realmente nos pertencem e quais foram absorvidos de nosso entorno.
Essa admissão exige uma coragem extraordinária, pois implica abrir mão do orgulho e admitir nossas limitações. Girard descreve esse processo como um momento de verdade libertadora. Ele afirma: “Quando renunciamos à enganosa divindade do orgulho, libertamo-nos da escravidão e, finalmente, compreendemos a verdade sobre nossa infelicidade.”
O Impacto Social do Reconhecimento do Desejo Mimético
Reconhecer nossos desejos miméticos não apenas nos beneficia individualmente, mas também tem implicações sociais profundas. Girard argumenta que muitos conflitos e rivalidades são alimentados pela mediação dupla, onde duas pessoas desejam o mesmo objeto e se tornam rivais. Quando entendemos que essas rivalidades têm raízes no desejo mimético, podemos questioná-las e, potencialmente, superá-las.
Girard acredita que esse processo pode reduzir significativamente o impacto dos conflitos sociais. Ele enfatiza que isso não acontece de uma só vez, mas através de um esforço contínuo para identificar e compreender as dinâmicas miméticas em nossas vidas.
O Rompimento dos Ciclos de Violência
Nos capítulos anteriores, vimos como o desejo mimético pode levar a rivalidades e conflitos, tanto no nível individual quanto social. Neste capítulo, Girard explora as implicações mais amplas de suas teorias, discutindo como o desejo mimético pode gerar ciclos de violência e como podemos trabalhar para rompê-los.
O Papel do Desejo Mimético na Violência
Girard argumenta que muitas formas de violência são, em última análise, resultado de rivalidades miméticas. Quando duas ou mais pessoas desejam o mesmo objeto, ou competem pela mesma posição, suas rivalidades podem escalar para hostilidade aberta. Essa dinâmica não é apenas pessoal, mas também coletiva, manifestando-se em guerras, conflitos culturais e até mesmo em competições econômicas.
O desejo mimético também alimenta ressentimentos profundos. Quando vemos alguém como mediador e rival ao mesmo tempo, nosso desejo de superá-lo pode se transformar em ódio. Esse ódio pode ser direcionado ao mediador ou, em muitos casos, redirecionado para terceiros, o que leva ao conceito de bode expiatório.
O Mecanismo do Bode Expiatório
Girard apresenta o conceito de mecanismo do bode expiatório como uma maneira pela qual as sociedades tentam resolver conflitos gerados por rivalidades miméticas. Quando tensões e ressentimentos se acumulam dentro de um grupo, eles frequentemente buscam um indivíduo ou grupo para culpar por seus problemas. Este bode expiatório se torna o foco da violência coletiva, funcionando como uma válvula de escape para as tensões sociais.
A escolha do bode expiatório geralmente é arbitrária e não tem relação real com a causa dos problemas. No entanto, ao sacrificar o bode expiatório, a comunidade acredita estar restaurando a ordem. Este padrão, segundo Girard, é uma característica recorrente da história humana.
O Ciclo de Ressentimento e Violência
O uso do bode expiatório para aliviar tensões é apenas uma solução temporária. Embora possa oferecer uma sensação momentânea de alívio, ele não aborda as causas subjacentes do conflito: o desejo mimético e as rivalidades que ele cria. Assim, os ciclos de ressentimento e violência tendem a recomeçar, frequentemente com novas vítimas sendo escolhidas como bodes expiatórios.
Girard alerta que, sem um esforço consciente para romper esses ciclos, a sociedade continuará presa em um padrão de violência recorrente.
Rompendo o Ciclo: O Papel da Humildade
Para Girard, o primeiro passo para romper o ciclo de violência é reconhecer e confrontar as dinâmicas do desejo mimético. Isso exige, mais uma vez, humildade. Quando admitimos que nossas rivalidades muitas vezes têm raízes em desejos miméticos, podemos começar a questionar a validade desses conflitos e a buscar soluções mais construtivas.
Ele sugere que, em vez de projetarmos nossos ressentimentos em bodes expiatórios, devemos buscar formas de cooperação e compreensão mútua. Isso requer um esforço coletivo para identificar e mitigar as forças miméticas que alimentam o conflito.
Implicações para a Sociedade
Girard acredita que a conscientização sobre o desejo mimético pode ter um impacto transformador na sociedade. Ao compreender como nossos desejos e rivalidades são moldados, podemos começar a abordar questões como desigualdade, injustiça e violência de maneiras mais eficazes. Isso não significa que todos os conflitos desaparecerão, mas que poderemos lidar com eles de maneira mais construtiva e menos destrutiva.
A Ética do Autoconhecimento
Finalmente, Girard propõe uma ética baseada no autoconhecimento e na humildade. Ele argumenta que, ao reconhecer nossas próprias tendências miméticas, podemos desenvolver uma relação mais saudável com nós mesmos e com os outros. Isso nos permite escapar dos padrões de ressentimento e violência que têm atormentado a humanidade por séculos.
O Poder Transformador do Reconhecimento do Desejo Mimético
René Girard conclui que o desejo mimético é uma força fundamental que molda nossos comportamentos, nossas relações e até mesmo as estruturas de nossas sociedades. Ele não apenas oferece uma explicação para conflitos individuais e coletivos, mas também aponta caminhos para superá-los.
Reconhecendo a Influência do Desejo Mimético
Uma das maiores revelações de Girard é a constatação de que nossos desejos muitas vezes não são espontâneos ou originais, mas moldados pelas pessoas ao nosso redor. Ao identificar a influência dos mediadores em nossas escolhas e rivalidades, podemos começar a questionar a origem e a validade de nossos desejos.
Esse reconhecimento é profundamente libertador, pois nos ajuda a evitar as armadilhas de rivalidades fúteis e nos permite adotar uma postura mais autêntica diante da vida. Como Girard sugere, esse processo não é apenas uma questão de autocompreensão, mas também de responsabilidade ética e social.
A Humildade como Solução
Girard enfatiza que romper os ciclos de rivalidade e violência exige uma dose extraordinária de humildade. Precisamos admitir que muitos de nossos conflitos são alimentados por desejos que absorvemos de outras pessoas, e que a verdadeira liberdade está em questionar e superar essas dinâmicas.
Essa humildade, no entanto, não deve ser confundida com passividade. Trata-se de um esforço ativo para examinar nossos desejos, compreender nossas motivações e adotar um comportamento mais consciente e responsável. Girard sugere que esse tipo de autoconhecimento é essencial não apenas para a paz interior, mas também para a harmonia social.
O Impacto Literário e Filosófico
Girard celebra o papel da literatura e da filosofia na exploração do desejo mimético. Grandes escritores como Dostoiévski, Proust e Cervantes ofereceram insights profundos sobre a natureza humana ao explorar como os personagens são guiados por desejos miméticos e rivalidades. Esses autores, segundo Girard, compreenderam que a liberdade e a redenção só podem ser alcançadas ao reconhecer e transcender as dinâmicas miméticas.
Para Girard, a literatura serve como um espelho da condição humana, revelando nossas fraquezas, nossas ilusões e, mais importante, nossa capacidade de transformação.
Aplicações Práticas do Desejo Mimético
Girard argumenta que a conscientização sobre o desejo mimético não deve se limitar à teoria. Ele acredita que esse conhecimento tem aplicações práticas em várias áreas, incluindo política, economia, psicologia e educação. Ao entender como o desejo mimético opera em nível individual e coletivo, podemos abordar questões como desigualdade, violência e injustiça de maneira mais eficaz.
Por exemplo, em vez de perpetuar ciclos de competição e comparação, podemos criar sistemas que incentivem a cooperação e o respeito mútuo. Da mesma forma, ao educar as pessoas sobre o papel do desejo mimético, podemos ajudá-las a desenvolver uma maior autonomia e resiliência emocional.
Um Chamado à Reflexão
Girard conclui com um convite à reflexão pessoal. Ele nos encoraja a examinar nossos próprios desejos, identificar os mediadores que nos influenciam e questionar as rivalidades que cultivamos. Esse processo pode ser desconfortável, pois exige que confrontemos nosso orgulho e admitamos nossas limitações. No entanto, Girard acredita que essa jornada é essencial para alcançar uma vida mais autêntica e significativa.
O desejo mimético não é apenas uma teoria sobre a origem do desejo; é uma lente poderosa para compreender a condição humana. Ao reconhecer como somos moldados pelos outros, podemos encontrar maneiras de superar os conflitos internos e externos que nos afligem. Girard nos deixa com uma mensagem de esperança: embora o desejo mimético possa ser uma fonte de sofrimento, também oferece uma oportunidade de autodescoberta e transformação.