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O caminho estóico – Estoicismo aplicado à disciplina

O cenário atual da internet nos bombardeia com citações motivacionais e vídeos, que visam inspirar e nos impulsionar a agir. Mas a motivação apenas nos dá o impulso inicial; para alcançar algo, precisamos nos dedicar ao trabalho. Trabalhar em direção a um objetivo requer esforço e repetição, e, à parte algumas exceções, geralmente não existem atalhos para atingir um objetivo significativo, como dominar a condução ou concluir uma educação acadêmica. Podemos estar altamente motivados, mas não chegaremos a lugar algum se não agirmos. Muitas pessoas lutam para se engajar na ação repetitiva ao longo do período necessário para alcançar seus objetivos. Existe a intenção, o desejo, mas nenhum movimento significativo para frente. Essas pessoas carecem do que provavelmente é a chave que falta para a porta que leva ao sucesso: a autodisciplina.

A disciplina é um esforço controlado que exige autocontenção e obediência a regras específicas, como um cronograma. Geralmente, a disciplina tem uma má reputação, pois soa pouco romântica e cansativa, e nos lembra dos regimes rigorosos dos militares e internatos. Mas a autodisciplina realiza o trabalho. Além disso, a autodisciplina frequentemente leva à paz interior, já que estrutura e previsibilidade reduzem o estresse provocado pela incerteza.

Os estoicos consideravam a disciplina uma virtude, juntamente com outras qualidades relacionadas, como perseverança, resistência, grandeza de espírito e autocontrole. Os estoicos favoreciam o trabalho árduo e o uso sábio de seus dias. Sêneca, por exemplo, nos exorta a não desperdiçar nosso tempo e agir agora, pois a vida é curta. Marco Aurélio aponta para a natureza, concluindo que naturalmente tendemos ao trabalho árduo.

Este artigo explora a filosofia estoica que pode ajudar a desenvolver a autodisciplina. Se você gosta de leitura, o livro Estoicismo para a Paz Interior pode interessá-lo. Ele é um conjunto de obras coletadas, editadas, revisadas e expandidas, disponível na Amazon como livro físico e e-book.

A autodisciplina é descrita como a capacidade de fazer a si mesmo fazer as coisas que sabe que deve fazer, mesmo quando não quer. Fazer a si mesmo realizar certas coisas exige autocontrole para resistir a se envolver em atividades que não contribuem para nossos objetivos. Também requer um impulso para trabalhar e um alvo para o qual trabalhar. Assim, se fazemos o que devemos e nos abstemos do que não devemos, somos disciplinados, o que soa fácil, mas para muitos não é.

Os estoicos valorizavam a autodisciplina, entendendo-a como parte essencial da vida em harmonia com a natureza, significando, para nós humanos, usar nossos corpos e mentes apropriadamente, sendo produtivos, ativos e contribuindo para o todo. Epicteto argumentou que o envolvimento em adversidades fez de Hércules o que ele era; o que teria acontecido com ele se não tivesse usado seu poderoso físico e alma nobre?

Então, como construímos a autodisciplina de acordo com a filosofia estoica? Vamos explorar algumas ideias estoicas relevantes. Epicteto afirmou que deveríamos tratar a vida como um banquete. Se um prato para diante de nós, devemos tomar um pouco com moderação. Se ainda não chegou até nós, não devemos pegá-lo. E, melhor ainda, seria se pudéssemos rejeitar o que é colocado diante de nós; tal força nos torna divinos.

O autocontrole é uma parte vital de ser autodisciplinado. Por meio do autocontrole, podemos nos abster de fazer coisas que não devemos, trabalhando em direção a um objetivo específico. No entanto, na realidade, as pessoas lutam com essa tarefa, em grande parte devido a como lidam com distrações. Infelizmente, não temos controle sobre as distrações que a vida nos lança. Mas temos controle sobre como nos posicionamos em relação às coisas que não podemos controlar.

Relativamente a distrações, não podemos controlar convites para saídas, o lançamento da última temporada de nossa série favorita, ou pessoas tentando nos desanimar com críticas e oposições. Por mais que tentemos resistir, o mundo sempre terá uma abundância de coisas para oferecer que potencialmente podem capturar nossa atenção e persuadir-nos a mudar nossas decisões sobre nossas escolhas. Provavelmente, isso está apenas aumentando devido ao desenvolvimento tecnológico. Claro, podemos influenciar o número de distrações às quais estamos expostos, limitando nosso contato com o mundo externo e organizando nosso ambiente de vida de acordo. Mas, no final das contas, o mundo exterior, incluindo nosso ambiente mais próximo, está sujeito à Fortuna. Então, o que podemos fazer? Podemos fortalecer nosso autocontrole. Podemos nos blindar contra distrações inevitáveis, reforçando nossa resolução de concluir o que desejamos terminar. Se temos a força para rejeitar o que nos é apresentado, as tentações não nos desviarão de nosso curso. O autocontrole requer prática; precisamos dominá-lo por meio da exposição e repetição, para que possamos fortalecer nossa capacidade de restrição. Quanto mais vencermos as distrações e tentações, menos poderosas elas se tornam. Se essas tentações não tiverem poder sobre nós, experimentaremos o que os estoicos chamam de liberdade. Nesse contexto de disciplina, é a liberdade de fazer o que pretendemos, no sentido de que as circunstâncias externas não controlam nossas ações.

Como podemos realizar tarefas se não formos capazes ou dispostos a trabalhar por elas? Do ponto de vista estoico, o trabalho não é apenas importante; é também para o que fomos projetados. Tudo no universo tem seu lugar, e, como humanos, fomos agraciados com capacidades únicas para servir ao todo. Portanto, os estoicos consideram a diligência uma característica virtuosa. É da nossa natureza trabalhar, acreditavam eles. Nas suas Meditações, Marco Aurélio relembra-se repetidamente de suas tarefas como imperador e como ser humano. Ele está aqui para trabalhar e servir, não para ficar na cama o dia todo sem fazer nada. Sim, talvez seja mais agradável ficar na cama, mas o imperador estoico lembra-se de que não nasceu para sentir-se confortável. Ele menciona como as plantas, pardais, formigas, aranhas e abelhas desempenham suas tarefas; esses seres vivos trabalham para colocar o mundo em ordem e participam de maneiras que a natureza lhes designou. Por que não corremos para fazer o que nossa natureza exige? Claro que não podemos trabalhar dia e noite; também precisamos dormir e relaxar. Mas, como disse Marco Aurélio, a natureza estabeleceu um limite para isso também. Portanto, há um tempo para relaxamento e um tempo para trabalho.

A coragem é uma virtude cardeal no estoicismo, sub-dividida em endurance, confiança, grandeza de espírito, alegria e diligência. A diligência é parte vital da autodisciplina; é o hábito de estar ativo e ocupado. Se estamos trabalhando em direção a um objetivo, apenas o autocontrole não é suficiente; precisamos ser diligentes e fazer o que precisa ser feito de forma consistente.

Então, como podemos ser diligentes? Como podemos prevenir a preguiça e a procrastinação? Marco Aurélio faz uma declaração interessante sobre a causa da preguiça e um dos ingredientes de ser diligente: “Na verdade, você não ama verdadeiramente a si mesmo, pois se amasse, amaria sua natureza e honraria seus desejos.” Segundo este trecho, a preguiça significa uma falta de amor por si mesmo ou pela tendência natural de ser diligente. Se amássemos que somos naturalmente inclinados a ser diligentes, abraçaríamos nossa natureza e começaríamos a trabalhar. Assim, poderíamos querer despertar nosso amor por ser diligentes, em vez de ver isso como uma forma de punição ou condenação; poderíamos ver isso como algo prazeroso.

Afinal, ser diligente tem sido uma parte natural e inerente da vida humana desde o amanhecer dos tempos, embora em diferentes formas e intensidades. Também poderíamos buscar algo que se encaixe em nossas naturezas individuais. Hércules, por exemplo, estava apto a proteger os fracos devido ao seu corpo forte e atlético. Outras pessoas podem ser mais adequadas para escrever, artes ou ocupações científicas. A natureza nos deu características únicas; do ponto de vista estoico, nossa tarefa é honrá-las e usá-las produtivamente para servir o todo.

Para viver uma vida verdadeiramente disciplinada, é crucial ter um objetivo específico. Sem metas ou submetas, somos rápidos em canalizar nossa energia para coisas que não servem a nenhum propósito de longo prazo ou simplesmente não agimos de forma alguma. Marcus Aurelius observou que muitos se esgotam por festas, bebedeiras, jogos excessivos ou maratonas de séries de TV. Não é que não estejamos fazendo nada; simplesmente gastamos nosso tempo e energia principalmente em prazeres de curto prazo. Para muitas pessoas, a vida parece sem propósito e alcançar algo maior, como realizar seus sonhos e ambições, parece impossível. Mas, muito provavelmente, estão faltando objetivos, o que pode ser devido ao medo do fracasso ou porque, nos dias de hoje, há tantas opções que é difícil escolher uma direção. O paradoxo da escolha confunde muitos e faz as pessoas desejarem inúmeras coisas, mas acabam sem nada substancial.

Portanto, escolher um objetivo particular e deixar tudo o mais de lado beneficia os que estão à deriva na modernidade. Marcus Aurelius disse: “Pare de vagar. Corra para a linha de chegada. Escreva suas esperanças. E, se o seu bem-estar lhe importa, seja seu próprio salvador enquanto pode.” Seremos movidos à deriva pela vida, como folhas ao vento, ou vamos explorar nosso único poder verdadeiro, que é nossa capacidade de escolher e agir? Ser autodisciplinado torna-se muito mais fácil se temos um objetivo claro e forte. Geramos propósito para nós mesmos abraçando uma razão sólida para sair da cama todas as manhãs, e quanto mais trabalhamos em direção a esse objetivo, mais firmes nos tornamos. Mantendo os olhos na linha de chegada, vendo-a se aproximar a cada dia, construímos autoconfiança ao perceber que podemos realizar tarefas. Observar o progresso nos motiva a continuar, impedindo-nos de vagar cegamente de uma ideia para outra. Realizaremos tarefas mesmo quando não quisermos, porque aquela estrela no céu brilha intensamente sobre nós, elevando-se muito acima de tudo que não importa, deixando-o na sombra, onde pertence.

Referências Bibliográficas:

AURÉLIO, Marco. Meditações.

EPICTETO.Dissertações.

SÊNECA.Cartas a Lucílio.

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